Por Antônio
C Pereira
Num tempo em que o próprio tempo era jovem, o Ser Supremo,
entediado com o vazio de sua obra, criou tudo o que existe. Homens,
animais, plantas, as montanhas e os mares, as nuvens e o vento. Lorde
Lua e Lady Sol também foram idealizados para compor seu vasto mundo,
até onde a vista alcançava, e muito mais além. Mas, por sua
perfeição e poder, apenas duas outras entidades podiam ver e
interagir o Ele, seus nomes eram Morte e Eternidade, e ambos viveram
por incontáveis eras à sombra Daquele, como sua obra mais
excepcional.
Um dia, sem alarde, o Ser Supremos se cansou e partiu sem aviso,
deixando todo o seu trabalho a cargo de seus dois sucessores, ambos
deveriam zelar por tudo o que já existia, e também decidir o que
era necessário criar dali para frente. Apesar de possuírem poderes
iguais, seus ideais eram divergentes por quilômetros de distância.
Ainda não havia de constituído o a ideia do bem e do mal, do certo
ou do errado, por isso, nenhum deles era bom ou incorreto, apenas
acreditavam em perspectivas antagônicas.
Um degrau acima da divergência existia o respeito mútuo entres as
duas entidades, que permaneceu imutável até o tempo atingir a
maturidade. Como já dito, a Morte e a Eternidade possuíam poderes
similares, exceto por um detalhe, a primeira com sua face de criança
sobre o pesado capuz preto podia perceber os desvios possíveis do
destino e não a linha principal, enquanto o segundo, com sua
aparência venerável e sábia de um idoso só conseguia consultar a
linha mais provável do devir. E foi por isso que se deu o cisma
entre eles.
A Morte, ao perceber os movimentos do destino previu que o homem
logo se tornaria uma hedionda e incontrolável besta, a Eternidade,
por sua vez, via o homem como aquele que governaria a obra após
Morte e ele próprio irem encontra o seu criador, quando fossem
chamados. Essa discussão levou gerações e gerações, até o senso
de urgência da Morte soar mais alto que sua razão, e propôs ao seu
antagonista, que resolvessem o futuro da humanidade em um jogo franco
e direto. Eternidade, por sua vez, com um grande aperto no peito e
sem nome para essa emoção aceitou, desde que ele sugerisse o jogo.
– Resolveremos este impasse de uma vez por todas. E que seja numa
franca em uma única partida, disse a Morte, com uma voz profunda,
que destoava de sua aparência infantil.
– Que seja, desde que eu selecione o modo de resolvê-lo. Respondeu
a Eternidade, com a serenidade, que não possuía naquele momento.
– Concordo, comecemos sem demoras. O retardo deste entrave não
beneficia nenhum de nós dois.
– Já tenho em mente algo que irá satisfazer a ambos, e não dará
margem a reclamações posteriores. Completou o venerável.
– Diga, deixe os pormenores de lado por hora.
– Jogaremos uma partida de xadrez, a representação mais ordenada
do caos, o que representa não só nós dois, como o fardo que
aguarda toda a raça humana.
– Sim, sente-se e começaremos, para nós não existe os anos ou
estações, mas para aqueles que estamos julgando, não existe tal
benção.
Sentaram-se e compuseram o tabuleiro, a Morte com as peças negras,
e a Eternidade com as peças brancas. E se sucederam dos movimentos,
um após o outro, peça após peças. Torres, cavalos, peões e
bispos, deslizavam para esquerda e para a direita, eram tomados e
retirados. O jogo prosseguia e recuava, o campo de batalha
quadriculado se tornava cada vez menos povoado com a progressão da
partida.
Ambos jogaram de forma honesta e justa, o sol se pôs por tantas
vezes que pararam de contar, mares secaram e oceanos surgiram. O
homem dominou a terra e os mares, enquanto o jogo desenrolava-se. Os
empates foram inevitáveis e incontáveis até que mais uma vez
deliberaram. A aposta iria muito além da decisão do destino de uma
espécie, a Eternidade deveria apostar também o seu mais precioso
dom, a eternidade em si, a Morte, por sua vez, apostaria a sua
finitude para demonstrar a sua boa fé e boa vontade.
Aceito o novo trato começou a rodada derradeira, não havia mais
tempo para blefes ou distrações, era preciso achar uma brecha ou
cavar uma se necessário. Um espírito competitivo nasceu ao longo
destas partidas. O desejo de superar todas as artimanhas e
estratégias era agora maior do que qualquer outra coisa. Morte e
Eternidade tinham a necessidade de superar seu opositor. Até o
momento decisivo, a Eternidade havia encurralado o rei preto e
removido os dois cavalos da mesma cor, a Morte não tinha uma saída
viável, sua derrota era certa. Em um momento de nervosismo, ela
esbarrou em sua foice que, desequilibrou-se e foi ao chão,
Eternidade sobressaltou-se e ergueu seu corpo da cadeira para não
deixar a surpresa transparecer, e Morte, num completo desatino moveu
as peças apenas uma casa para o lado. O que imperava no momento era
apenas o espírito combativo, a razão abandonara a disputa quando a
aposta aumentara.
Eternidade ao sentar não percebeu a mudança de configuração das
peças e Morte fez a derradeira movimentação. Tomou o rei branco e
declarou:
– Cheque Mate.
–Como?
– Fim de jogo.
– Meu desatino me deixou desatento? Disse Eternidade perplexo.
– Creio que a vontade de vitória o cegou irmão, concluiu a Morte,
tentando parecer o mais natural possível.
– Agora, façamos o pagamento pela tua derrota.
– O prêmio você merece Morte, mas não de todo. Sei que
trapaceou, mas fui tolo em não perceber a tempo, toma o teu
pagamento.
Em um movimento brusco, Eternidade tiro o broche que sustinha a sua
túnica e a atirou no chão. A força foi tamanha que o rubi se
partiu, metade se manteve presa à estrutura dourada do broche, a
outra metade se transformou em uma chuva rubra que caiu por todo o
globo. Seguido da última frase de Eternidade:
– Por tua meia vitória terá a metade dos despojos, e os homens,
por quem tanto anseia tomar a vida, terá a outra metade. Enquanto
houver o sangue rubro nas veias, tu ó Morte, não os poderá tocar.

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